Amapá Digital | Quinta-Feira, 18 de dezembro de 2025.
Conhecido como Menestrel da Nação Negra, Francisco Lino da Silva assina a composição do Samba 105, que disputará o direito de embalar a escola de samba carioca no carnaval 2026 neste sábado, 27.
O Brasil vai conhecer neste sábado, 27, o samba do Amapá que vai entrar com a Estação Primeira de Mangueira na Marquês de Sapucaí, no carnaval de 2026 do Rio de Janeiro. Os amapaenses chegaram à final com quatro composições, e entre elas o Samba 105, de Francisco Lino da Silva, o “Menestrel da Nação Negra”, que voltou à cena do samba após mais de três décadas afastado das disputas de carnaval.
Aos 90 anos, ele voltou a assinar um samba-enredo em parceria com novos talentos amapaenses, como Híckaro Silva, Camila Lopes, Silmara Lobato e Bruno Costa. Boemista de jovem, o compositor fala da oportunidade de elevar o nome da escola de samba do coração.
“Nosso samba surge de uma única motivação: levar o nome da Boêmios do Laguinho ao patamar mais elevado do carnaval brasileiro, se consolidando como a primeira agremiação a vencer um festival de samba-enredo na maior escola de samba do planeta”, afirmou Lino, emocionado.
Segundo ele, o convite para participar da disputa surgiu da própria comunidade boemista, que enxergou na parceria uma oportunidade estratégica de dar visibilidade ao carnaval do Amapá.
“Competir como escola de samba foi o único motivo que levou nossos compositores a se unirem. Nenhum buscou fama ou glória própria, nosso objetivo sempre foi amor e união pela instituição mais importante em nossas vidas: a Boêmios do Laguinho”, destacou o compositor.
Compositores do samba 105
Foto: Divulgação
Ao comentar o enredo da Mangueira, Lino não escondeu a emoção.
“Falar do Amapá, falar do Sacaca, falar de 'amapalidade', é falar de mim. Eu parei de compor em 92 e sentia que tinha feito minha contribuição ao Carnaval no Amapá, assinei mais de 35 sambas em minha vida, alcancei o respeito de uma nação. Não existia possibilidade desse enredo não ser defendido pela visão dos sambistas do Amapá, ele é origem, força e herança ancestral que precisava ser pontuado pelos olhos de quem viveu a história. Sacaca foi meu amigo, e com ele vi o nosso carnaval chegar a um nível que muitos que se foram não tiveram a oportunidade”, recorda o menestrel.
Ele contou que o momento de criação desse refrão foi no quintal da casa dele, junto com os demais compositores. Francisco Lino também destacou a parceria entre veteranos e novos compositores, marcada por momentos de leveza e inspiração.
“Às vezes parecia que o Sacaca estava nos sussurrando versos. Cada encontro foi emocionante, divertido e cheio de criatividade. Em alguns momentos chegávamos a brincar com ‘parece que o Sacaca veio aqui no meu ouvido sussurrar esse verso’, e quando faltava algum complemento falávamos ‘cadê o Sacaca? Será que ele tá ajudando os outros, volta logo só para a gente terminar aqui’. Era sempre leve e divertido, estou orgulhoso de ver essa nova geração assumindo, estou entregando o samba em ótimas mãos”, contou o compositor, orgulhoso.
Mestre Sacaca foi homenageado durante a etapa estadual da competição
Foto: Maksuel Martins/GEA
Mesmo diante das dificuldades de resumir a riqueza cultural do Amapá, ele considera que a obra conseguiu traduzir a essência da identidade negra e amazônica.
“Não houve um trecho difícil de escrever, acredito que a maior dificuldade foi não escrever trechos, pois a sinopse de Sidney é perfeita, completa e detalhada. Nem em mil versos conseguiríamos detalhar nossa cultura por completo. Somos muito ricos”, afirmou.
A força da comunidade
O impacto do samba na comunidade foi imediato. A primeira apresentação pública, no Píer do Santa Inês, reuniu mais de mil pessoas em uma noite considerada histórica para o carnaval do Amapá.
“Nossa comunidade abraçou nosso samba com choro, vibração e aclamação. Agora, mais de cem boemistas estão se deslocando para o Rio para apoiar a Boêmios nessa final do concurso da Mangueira. Nós pedimos socorro, não temos torcida no Rio, então a nossa torcida está vindo nos salvar, direto do Amapá para o Rio de Janeiro”, contou.
Concurso da Mangueira 2025 durante etapa estadual no Amapá
Foto: Jorge Júnior/GEA
Último grande sonho
Para Francisco Lino, vencer a disputa da Mangueira seria a realização de um sonho de vida.
“Tenho mais de 75 anos de samba, mas nunca disputei em solo carioca. Essa é minha primeira e talvez última oportunidade. Já conquistei tudo o que pedi a Deus: uma família linda, uma comunidade que me respeita, mas esse é meu maior sonho em vida, ter meu nome e o da Boêmios reconhecidos pelo Brasil inteiro, mas samba que vencer ficará eternizado para sempre na história do nosso carnaval. Não há espaço para vaidades: já somos campeões", finalizou.
Conheça o samba 105:
Turé... Quem invocou o ritual? Eu trago a força ancestral Do Povo da floresta Banzeiro de memórias Navegam as histórias Onde meu país começa Remei, Remei a maré me levou Pra revelar o que não vês a olho nu Todo encanto Tucuju
Tem mandinga verde-rosa Na Estação Primeira Mangueira vem sambar Benzi tua bandeira Nesse Rio caudaloso de fé Desce o morro banhada de axé
Contra todo o mal tem garrafada Ervas e Flores pra dores curar Tiro quebranto nas mãos sagradas Lição de Preto Velho, Saravá! Xamã, Doutor, Guardião, Babalaô Saberes vibrando no tambor Tem Marabaixo no "Encontro" ao luar... Encantado folião na passarela Coroado Rei do Laguinho à Favela
Mangueira chamou: "Sacaca!" Minha voz ecoou na mata! O meio do mundo é a nossa aldeia Incorporou! A Amazônia é negra!
Francisco Lino da Silva
Francisco Lino da Silva nasceu em 22 de março de 1935, no Largo dos Inocentes, em Macapá, pelas mãos da avó paterna, a lendária parteira “Mãe Luzia”. Filho de Claudino Lino da Silva e Francisca Santana da Silva, destacou-se desde cedo nos estudos, trabalhou no antigo INPS (atual INSS) e formou-se professor pelo Núcleo de Educação da UFPA, embrião da Universidade Federal do Amapá. Também foi jogador do Esporte Clube Macapá, mas encontrou no samba sua maior paixão.
Aos 19 anos, foi um dos fundadores da Escola de Samba Boêmios do Laguinho, em 1954, tornando-se seu primeiro compositor e figura central em sua história. Durante quase três décadas, assinou sambas que marcaram o carnaval amapaense, como Exaltação ao Bairro do Laguinho (1962), Tributo a Ary Barroso(1963), Fortaleza, o Atalaia do Norte (1975) e Esse Maravilhoso Mundo Louco de Ilusão (1982). Sua dedicação lhe rendeu títulos e reconhecimento, tornando-o o maior poeta e compositor do carnaval local.
Em 2000, foi homenageado pela própria agremiação com o enredo Francisco Lino, o Menestrel da Nação Negra, título que se consolidou oficialmente em 2004. Carismático e apaixonado, nunca mediu esforços para manter viva a tradição de sua escola, chegando a sacrificar bens pessoais em prol do pavilhão.
Respeitado por sambistas dentro e fora do estado, Francisco Lino é reverenciado como uma das maiores personalidades da cultura amapaense. Figura simples, vizinho, pai, avô e amigo, tornou-se mito em vida, referência para gerações e eterno símbolo da Nação Negra do Laguinho.
Por Leidiane Lamarão
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